segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

O quintal (atualizado)

 Enquanto acarinhava uma gatinha de minha irmã, no quintal em que crescemos, pensava, mirando um céu azul de agosto, na verdade um lindo dia, embora eu preferisse dias chuvosos, acreditem... lembrava de quantos gatinhos já brincaram nesse quintal, cimentado, simples...quantas gatas já pariram, brincaram e educaram seus filhotes nesse quintal, quantas flores se abriram e secaram nesse quintal. 

Eu, que construí a casa dos fundos, quando tive que fugir do aluguel para sobreviver, morei ali...saía de minha casa e vislumbrava aquele quintal abençoado, com um linda árvore, que eu plantei anos atrás...essa árvore que ainda está lá com orquídeas em seu tronco, barbas de velho, tilândsias, enfim, com uma biodiversidade bem grande...o jirau que já teve parreira, chuchu, maracujá, madressilva, maracujá de novo...já teve galinheiro e pé de cana nesse quintal. Já teve viveiro de canários, casa de cachorro, areia de construção, pé de milho, limoeiro...esse quintal tem muita história. 

Gerações usufruiram desse quintal...nós, meus primos, meus sobrinhos, meu filho e agora a filha do meu sobrinho... e quando eu fico ali me dá uma emoção sem igual, quero chorar, tenho saudade, sinto uma inquietação muito grande que invade meu ser...não sei explicar esse sentimento tão forte que me toma quando estou nesse quintal. Saudades de minha avó, meu avô, minha mãe, dos cachorros e gatos que viveram ali.

Quantas pessoas hoje em dia podem dizer o mesmo? Tiveram a oportunidade de brincar na terra, machucar os pés, colher alimentos em sua casa? Brincar com animais...olhar as nuvens lindas voando no céu...

Sinto falta dessa simplicidade, desse pé no chão, dessa capacidade de ficar ociosa, de olhar para o mundo e não para telas!

De não reclamar da comida simples, do chocolate só na Páscoa, de refrigerante somente no final de semana...dos bolos deliciosos de aniversário feitos por minha avó, das sobremesas e bolos mais simples feitos por minha mãe...capelete e rosca doce no Natal, Tortelle de abóbora na Páscoa. Pé de moleque em junho, canjica...dos presentes super simples que ganhávamos no aniversário e Natal...

A vida era bem dura sim. Sem pai, criadas por minha mãe e avós, com pouquíssimo dinheiro e apoio de quem quer que fôsse...Minha mãe cuidava também dos meus avós, que não tinham nenhum dinheiro. Não sei como ela dava conta...

Não tínhamos carro nem telefone, roupas de festa, sapatos finos, aulas de balé, mas tínhamos dignidade, humildade (até demais) e nos esforçávamos no que fazíamos. Não tinhamos quem nos levasse à escola, com sol ou chuva. Íamos com colegas, às vezes sozinhas, caminhando quase um quilômetro. 

Nunca fui encorajada para ser alguém importante na vida. Não dava tempo. Os adultos estavam trabalhando para nos manter. Eu apenas vivia e curtia as poucas coisas que conseguia.  Por isso entendo as pessoas mais pobres, o que elas sentem, a falta de incentivo, coragem, ímpeto de subir na vida. Para quem apenas tenta sobreviver, o resto é supérfluo.

Hoje, vejo a juventude perdendo muito tempo em redes sociais, trancados em seus quartos, acabando com seus corpos, parados, curvados na frente do computador ou celular, fazendo ou sofrendo bullying, tendo relacionamentos fugazes ou superficiais,  e sinto que estão desperdiçando seu tempo em muitas coisas fúteis e inúteis. Claro que há pessoas que não concordam comigo, mas é nítida a falta de capacidade das pessoas, hoje, de relaxar, curtir o momento, os filhos, os animais, as nuvens, a arte, a beleza incrível da natureza, de onde viemos e fazemos parte. Somos animais, precisamos desse contato tão saudável. Entretanto, para muitas pessoas é como se tudo isso não existisse. Houve uma quebra profunda de qualidade de vida.

Claro que o mundo muda, as gerações mudam, tudo é mutável. Mas até que ponto, pra melhor ou pior, quem julga isso? 

As pessoas se desconectaram de sua essência e isso é muito perigoso. Nunca houve tanta depressão, suicídios, principalmente entre os mais jovens, o que é uma verdadeira tragédia. As drogas, lícitas ou não, parece que não são mais consideradas vilões e sim amigos!

Sinto que  a desconexão e a polarização estão emburrecendo e embrutecendo a todos e isso está acontecendo mundo afora. Falsos líderes manipulam muito facilmente as massas...e para onde caminhamos?

Queria voltar no tempo para aquele quintal...

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